terça-feira, 11 de março de 2014

Um novo cenário

O céu estava azul, mas ainda dava para ver o chão molhado da chuva da madrugada. Era o começo de um belo domingo. O domingo decisivo. O domingo da notícia. Mas é cedo e nossa personagem ainda não sabe disso. Ela está vivendo o momento. De acordar, tomar café com leite, escovar os dentes, tirar o pijama, tomar uma ducha, cuidar dos cabelos, arrumar a cama, se olhar no espelho, sentir-se bela, se esparramar e ler um livro, regar as plantas. Enfim, essas pequenas coisas do dia a dia que fazem parte até dos finais de semana.
Almoçou macarrão com molho de ervas finas e queijo derretido, acompanhado de um copo de mate. Nossa personagem é uma carioca esquisita, não gosta muito das praias de Ipanema, mas se amarra num mate gelado. Escovou os dentes , saiu de casa e pegou um ônibus. Ela ainda não sabia, mas estava indo ao encontro da notícia.
Notícia recebida. Possibilidade infinita de reações. A maioria das pessoas apostaria no choro, eu creio. Mas não. Ela não fez isso. Aparentou serenidade, porque era isso que ela realmente sentia. Pelo menos naquele primeiro momento. E deu um leve sorriso. Não ficou triste com o que seria julgado de má notícia por grande parte dos seres humanos. Ela não saberia explicar, mas uma certa leveza tomou conta do seu íntimo. Às vezes é melhor saber de algo “ruim” – se é que podemos chamar de ruim – a caminhar na escuridão, pensou. E eu, a narradora, concordo com ela. É mais fácil saber em que terreno estamos pisando, areia movediça não é muito legal.
Agradeceu aos amigos que se preocuparam com ela. Porque naquele dia, seu celular não parou de tocar, de gente querida perguntando se estava tudo bem. Sim, ela estava bem, e tocou a vida para frente, mantendo o resto da programação que tinha para o dia. Olhou para o céu, ainda azul, e agradeceu pelos amigos que a vida a presenteou. Eles têm gestos tão lindos, como não amá-los?
Agora, nossa personagem vive um momento de reflexão. Reflete se vale a pena refletir. Se compensa tentar entender. Pensa em como deve se portar diante do novo cenário. E espera a resposta com o coração calmo e os lábios a sorrir.

sexta-feira, 14 de fevereiro de 2014

Rosa

Eu gosto de desenhar, mesmo não sabendo fazê-lo muito bem. Não tem problema. O desenho não é meu ganha-pão. É um passatempo. Uma forma de "carpediar".
Eu gosto de brincar com formas geométricas e corpos em movimento. É o meu forte, eu diria. Se é que posso dizer que tenho algum forte. A minha arte não está muito preocupada com conceitos. Não pretendo ser aceita pela história. Desenho, pinto o que quero, para extravasar o que vem de dentro da minha alma. Para vivenciar o momento. É a minha forma de sentir o presente.
Até que um dia, uma rosa cruzou meu caminho. Ou melhor, o desenho de uma rosa. Porque, como diria Magritte, isso não é uma rosa. Um desenho feito por mim, de maneira simples. Quase um caracol e uma folha. Era bonitinho, não nego, mas bem simples. Ou minimalista, nas palavras de quem me pediu para desenhar.
Recebi elogios. Mas um deles, feito dias depois, me marcou. Talvez pelo fato de ser inesperado, não sabia que alguém ainda se lembrava do desenho. Talvez por estar imbuído de carinho. Talvez, talvez... bah. Essa palavra tem sido muito frequente na minha vida ultimamente.
Depois disso, desenhar uma rosa passou a ser muito mais que "carpediar". Passou a ser a certeza de que um sorriso brotaria dos meus lábios enquanto desenhasse.

terça-feira, 28 de janeiro de 2014

Dia de primavera

Tamara chegou um pouco mais cedo do que previra. Sabia que teria que esperar. Mas, mesmo sendo impaciente, não se importou. No ponto de ônibus tinha lugar para sentar. Em frente tinha uma floricultura. Via o colorido e sentia o aroma.
Porque resmungar a si mesma, por ter calculado mal o tempo? Estava um delicioso dia de primavera. Com sol e a brisa  a bater suavemente no rosto e o cabelo a voar.
Porque não aproveitar para sentir o amor que exalava do seu peito? Amor pela vida, pela natureza, pela família e por uma determinada pessoa. Sim, Tamara amava alguém e o tal alguém não sabia.
Mas naquela hora isso não importava. O momento era tão único, ímpar. O amor por tudo simplesmente brotava, sem pedir nada em troca.
As árvores ao redor davam-lhe a sensação de estar nos anos 70. E isso a enchia de mais amor. Amor. Por ela própria, pelo tal alguém, pelas flores, pelo mundo, por tudo.

domingo, 26 de janeiro de 2014

Respostas

Às vezes eu me faço umas perguntas. Cujas respostas poderiam ser um sim ou não. Mas só chego a um talvez. E continuo na dúvida.
Seria bom se eu chegasse a uma resposta definitiva? Poderia mudar minha vida? Poderia. Mas seria do jeito que imagino? A estrada tem tantas curvas. Depois que o carro vira, não o vemos mais. A certeza existe? Ou cada grão de areia é um talvez? A maior parte da vida é um quiçá.
Perguntas, caraminholas.
Perguntas, ponderações.
Perguntas, estudo.
Perguntas, observações.
Perguntas e respostas. Será?

sábado, 25 de janeiro de 2014

Ponta-cabeça

Vendo
eu estou
o mundo
a mudar.
A vida
a girar.
O difícil
aparecer.
Aparecer?
Foi fácil
algum dia?
Testes, provas
a surgirem
de surpresa.
Tempo curto.
Tudo rápido.
A mente gira,
corre,
voa.
Roda gigante
ou montanha-russa?
Ponta-cabeça,
pés pelas mãos.
Medo
de cair
e não levantar.
Mas as pernas
sempre se erguem.
Plantando bananeira,
eu vou.

quinta-feira, 23 de janeiro de 2014

Alarme

Cartas na mesa.
Verdade.
Desabafo coletivo.
Ato de ouvir.
Espanto.
Alarme
ou falso alarme?
Dor.
Rebola que vai.
Está na hora do almoço.
Choro.
Prato de comida.
Choro.
Sobremesa.
Dor.
Coração vazio.
Algozes,
eles estão ali na frente.
Com pratos de comida.
Dor.
Sentimento de inutilidade.
Estupidez.
Alarme,
falso alarme.
Que será?

terça-feira, 21 de janeiro de 2014

Serpente

Eu percebi que tinha deixado de ser menina quando tive sonhos diferentes.  Que tinham você como um dos personagens.
Tive que ser mulher para saber que não podia te contar o que sonhara. Pelo menos não naquele momento.
Um apartamento. Um mal estar. Uma serpente. O medo. Um colo. Tons pastéis. Azul cintilante.
Fragmentos que vi de olhos fechados, pedaços avulsos que tinham lógica. Suficientes para eu entender o que se passava comigo. Tomara conta de mim um amor quase impossível.
Tive que ser mulher para te amar sem sofrer. Amar apenas desejando o bem.
Amar sonhando e lembrando da serpente azul deslizando no banheiro do apê do sonho.

©2007 '' Por Elke di Barros