sexta-feira, 23 de abril de 2010

Um Sapato no Caminho

Encontrei um sapato no meio do caminho.
Drummond encontrou uma pedra. Eu, um sapato. Novo. Novinho em folha. Numa posição em que não parecia ter sido perdido. Aparentava ter sido colocado ali. Era um sapato diferente. Era de acrílico azul-turquesa. Daqueles que seria bem polêmico: horroroso para alguns, estupendo para outros. Minha curiosidade foi aguçada.
Abaixei-me. Ajoelhei-me. Era uma rua de bairro de periferia. Uma rua não asfaltada, de terra batida, sem calçada. Quase uma roça. Sujei minha saia longa estampada. Não tinha problema. A descoberta valia mais. A saia, depois sabão em pó resolveria.
Olhei para o sapato de perto. Parecia feito para criança brincar de Cinderela no Carnaval. Mas era grande para os pés infantis. Tamanho 38 ou 39, acho. Devo ter ficado uns vinte minutos ali, na mesma posição. Sorte minha a rua estar deserta. Do contrário, estaria agora numa camisa-de-força.
Depois de tanto hesitar, encostei primeiro o dedo indicador naquele objeto azulão-transparente. Depois, o médio. Depois, o anelar. Daí, meti a mão. Uma, depois outra. Peguei o sapato com as duas mãos. Vagarosamente. Inconscientemente, talvez eu estivesse com medo de quebrá-lo. Lindo e feio aquele sapato, ao mesmo tempo. Como quebrá-lo-ia?
Trouxe-o um pouco abaixo da linha do queixo. Mirei de mais perto. Não encontrei arranhão à primeira vista. Resolvi procurar. Não encontrei. Nenhuma partezinha arranhada. O sapato estava inteiro, apesar de estar sem Pé Direito, sua esposa.
Não encontrei arranhão, mas um papel colado na sola de Pé Esquerdo. Era como se ele estivesse me entregando um bilhete. Eu sentia isso. Era para mim, o recado. Li.
O medo tomou conta de mim. Meu corpo ficou gelado. Não sei se meu coração parou ou acelerou. Saí correndo, deixando o sapato cair.
Não olhei para trás para ver se tinha quebrado ou não.
E...
E...
E?
Não me atrevo a contar o resto da história.

domingo, 11 de abril de 2010

Fora de mim

Onde estou? Para onde fui? Onde estive? Que caminho tomei? Ou teria eu usado pó de pirlimpipim? Seria eu sonâmbula e fugi enquanto dormia?
Olho ao redor. Não reconheço nada. Nenhuma parte do meu pequenino corpo. Nenhum membro. Nenhum órgão vital.
Não me encontro. Não me vejo. Não estou perto de mim. Onde estarei? Onde estará meu corpo? Onde está o fio que nos une, que nos mantém em sintonia? Não o vejo.
Perdi o contato comigo mesma. Meu espírito (mente + coração) se desprendeu do meu corpo. Não morri. Estou fora de sintonia. Estou perdida. Não me encontro em lugar nenhum.
Fora de mim, sou um peixe fora d´água. Eu sou o meu aquário, os meus brônquios, o meu oxigênio. Eu dou vida a mim.
Que hei de fazer agora? Sem rumo, sem direção? Na esperança de um dia encontrar o caminho certo de volta a mim?
Parecendo um zumbi, parecendo um fantasminha, aí eu vou. Vou 'praonde' ?
Para algum lugar, algum lugar por aí. Não sei onde fica o 'aonde'. Talvez eu consiga um mapa. Um mapa que me oriente. Se for possível eu me orientar.
Oh! Não sei de nada! Não sei mais a quem pertenço, de onde faço parte.
Só sei que estou fora de mim!

©2007 '' Por Elke di Barros