terça-feira, 20 de dezembro de 2011

O choro e a canseira

Numa tarde de terça feira, João estava cansado. Sem ânimo para trabalhar, e o computador em nada ajudava. Olhar para o monitor dá mais sono e suga as últimas energias que ele tem. As últimas, porque as primeiras foram consumidas pelo mau momento e pelo choro. Quem foi que disse que homem não chora? Não foi assim que a mãe de João o educou. Ele aprendeu a se expressar, pelo menos consigo mesmo. Aprendeu que ser humano sente. Coisas boas e más. Que todos os sentimentos passam. E que os ruins têm que se extravasados, para que não se acumulem, feito poças de água suja.
Um acontecimento recente mudaria toda a vida de João no ano seguinte. Em termos práticos e emocionais. Ele teria que aprender a lidar com a frustração provocada por uma circunstância. E como estava sendo doloroso! Queria deitar-se na cama e chorar copiosamente, até esgotar toda a porcentagem da água que tem no organismo. Não, ele não queria morrer. João gosta da vida. Mas queria que o tempo parasse. Não que ele tenha medo de mudanças, longe disso. Acontece que abriria mão compulsoriamente justo da última coisa que escolheria para não fazer mais parte do seu presente.
João estava trabalhando no automático. Porque é responsável e tem um tal de correio que sempre faz com que tenha contas a pagar. Mas ele sabia que não estava sendo honesto com o chefe nem consigo mesmo. Sabia que o trabalho não estava rendendo. Cochilava no computador sem perceber. As noites de sono vinham sendo prejudicadas pela combinação de lágrimas e soluços. Aí está a grande desvantagem de trabalhar em escritório: alimenta o sono. Inviável não dormir depois de horas sentado. João dorme sentado, de cabeça em pé. O chefe vê, a secretária vê. Fazem vista grossa. Todo mundo tem direito a um mau momento, eles devem saber. Mas também não perguntam o que houve. João é muito na dele, não diria de qualquer forma. Resta-lhes estão, não importuná-lo em seu sono de trabalho. Sabem que o serviço será finalizado antes do prazo, custe o que custar para o pobrezinho.
O céu se fechou e armou o temporal. O barulho forte das gotas violentas a bater na janela, acordou João. Ele olhou, ainda assustado, para fora e sorriu. Parecia que a chuva compactuava de seus sentimentos.

domingo, 20 de novembro de 2011

Crítica ao crítico

Entre o mar e a montanha. Lá mora Daniel. Num bairro sem saída. Na Urca. O lugar pode ter seus problemas, mas Daniel não troca por nenhum outro. No meio de uma metrópole barulhenta; cheia de engarrafamento, motoristas histéricos buzinando; pivetes nas ruas; pessoas correndo apressadas, sempre atrasadas; ele é um privilegiado. Sente os prazeres de uma cidade bucólica e interiorana. Poucos ônibus,ruas relativamente vazias, pessoas passeando; cercado pelo exército e pela marinha, não tem medo de ser importunado por uma marginalzinho adolescente enquanto faz suas diárias corridas no Caminho do Bem-te-vi.
Daniel é do tipo que gosta de uma meditação, de abraçar árvores, sentir o cheiro da terra, ouvir ondas a baterem nas pedras, pisar na areia, trocar energias com a água, acender um incenso.
É um autônomo, trabalha em casa. Mas busca o conhecimento e a inspiração lá fora. É um cronista. Escreve sobre o que lhe fala o coração. Gosta muito de escrever sobre críticos de arte. Olha que ousadia! Critica os críticos. Não se sabe se antes alguém pensou em fazê-lo de forma polida. Daniel não agride. Ele constrói. Como muitas críticas. Ele se pergunta como esse ou aquele crítico chegou a uma determinada conclusão e porque. Os mais famosos não escapam. Ferreira Gullar, Fernando Cocchiarale, Mário Pedrosa, Moacyr dos Anjos já foram alvo de suas análises. E ninguém pode reclamar. Daniel é historiador da arte, estuda a fundo e entende do assunto. Sempre afirma que a arte não é uma ciência exata. Cada qual interpreta uma obra como bem entender. E Daniel é gentil. Gentil, mas com textos bem redigidos.
Bem redigidos na paz da Urca, após uma corrida e um banho gostoso.

terça-feira, 27 de setembro de 2011

Nunca de frente

Enquanto a vida brinca, eu a vejo brincar. São poucas as vezes que entro no joguinho. É tão difícil jogar, brincar, sem se machucar. Sem se deixar afetar. Poucos são aqueles que conseguem fugir de um tapa ou um empurrão num jogo. E qualquer dessas coisas dói. Por isso, assisto de camarote.
Assisto as diversões. As canseiras. Os altos e baixos. Ânimo e desânimo. Medo e valentia. Luta e clamor. Eles têm um ideal. O ideal deles me atinge.
Eu não devia ser covarde. Não devia. Mas é tão difícil escolher o caminho mais difícil. Tão difícil olhar olho no olho. No olho da vida. Lá dentro das pupilas. Estremeço-me. Penso nas possíveis consequencias. Olho para o meio. O fim me é inalcançável. O resultado pode ser bom. Eles acreditam nisso. Mas eu não entro na briga.
- Joana. - Alguém me chamou.
- Oi?
- Venha.
- Praonde?
- Para o campo. Vamos jogar queimado.
- Não, obrigada.
- Tem medo, é?
- Não.
- Não?! Tem certeza? Se tem medo é melhor assumir. Ou tem medo de ter medo?
- N...n...
- Ah, Joana. Quer ficar aí, fique.
E virou as costas.
Mas eu a ouvi murmurar para si:
- Eu tenho vergonha alheia.

domingo, 11 de setembro de 2011

Carrega-se nas costas

Fazia vinte dias. Desde que ele fora embora e a deixara sozinha com o cachorro que resolvera deixar para trás no último minuto. Não sabia o que pensar do bicho. Era a personificação de uma lembrança. Era também uma companhia.
Não via as amigas. Não via a família. Não via lá fora. Na cidade há gente conhecida demais. Não queria ver conhecidos. Porque eles sempre fazem perguntas. Não queria respondê-las. Não queria encontrar respostas. Evitava, então, indagações.
Dormia várias horas ao dia. Para espantar a memória. Dentro de casa há muitas lembranças. Cada objeto tem uma história. Que remete a ele. O ingrato que foi embora pouco menos de um mês atrás. Que pegou uma mala pequena, sem rodinha, disse que ia viajar, sumiu do mapa e até agora não voltou.
E pensar que ela lhe ofereceu um teto, pagou suas contas. O filho da mãe não tinha onde cair morto. A única coisa que foi capaz de lhe dar foi um cachorro e umas noites quentes. Nem emprego tinha direito. Não se sabe como ele tem se mantido nesses vinte dias. Mas ela não se importa com esta questão. Ela evita é conversar consigo sobre si mesma.
Dormiu, como de hábito. E sonhou que ele era um mendigo.

terça-feira, 23 de agosto de 2011

A não fuga

Ela sabia. Sabia que não podia ficar quieta. Mas ficou. E nem ao certo sabe porque. Porque? Hipóteses são só o que ela tem. Tinha pensado no bem estar do ambiente. Ela estava enraivecida. Não do algoz. Mas de si mesma. Não se conforma de ter ficado quieta.
De nada adianta pensar nisso agora, passará, tem de passar – ela pensa. Não de todo, para, de uma próxima vez, ter uma resposta na ponta da língua. E falar o que tem de ser dito. Colocar-se.
Mentalizando um tapa na sua própria cara, passou um batom vermelho, pegou a bolsa e foi embora.
No ônibus,conseguiu se sentar. Ela estava de sapatilhas, mas no estresse tudo dói, até pés de mulher fora do salto. Foi um alívio ter uma relativa sensação de descanso.
Olhando a paisagem urbana e alheia aos demais passageiros à sua volta, tentou pensar no filho pequeno em casa. Mas não conseguiu. Sua mente retornava à cena desagradável, por mais que fugisse dela.
O ônibus estava parado no trânsito tartarugeiro da cidade. Sim, ela gostava de neologismos às vezes. Rush. Lá fora e dentro dela.
Conflito entre diversos lados, pensamentos e ideias, cada qual com o ego lá em cima, disputando a predominância no cérebro. E no coração.
Fugia de si mesma e voltava. Como criança que foge de casa por cinco minutos.
Em casa, mergulhou no abraço do filho. Mas a mente ficou lá, horas antes.


sábado, 30 de julho de 2011

Cheguei! sem avisar

Numa tarde de julho, Aline estava em casa. Estudando para esses concursos da vida que volta e meia abrem. Creio que ela estava na parte da gramática. Toda concentrada.
Foi quando o telefone tocou e a Surpresa apareceu. Todo mundo sabe que a surpresa é um sujeito que sempre aparece sem avisar. Naquela tarde, entrou pela janela. Sem a menor cerimônia. Mas Aline não a viu. Correu para atender o telefone.
Quem estava lá, de pessoas a moscas e almas penadas, viu a cara de Aline. Estupefação. A negação no primeiro momento. Não se sabe se você notou, mas o ser humano quando fica surpreso, tende a negar no primeiro momento. Isso porque ele tem dificuldade de acreditar, mesmo que seja coisa boa. E Aline, sendo uma pessoa, tinha características genuinamente humanas.
E assim, ela custava a crer no que ouvia. Quando caiu a ficha, uma lágrima quase saiu dos olhos, indo na direção da força da gravidade. Mas ela se controlou. Ou, como diria os cariocas, segurou a onda. Como se ondas fossem grades.
Depois conversou como gente grande. Mas as faces denunciavam a presença de mais alguém naquela casa. A Surpresa que entrara sem alguém ver. Os presentes na casa a viram. Mas ninguém se importou.
Aline estava feliz.

domingo, 17 de julho de 2011

Pela janela do flerte

No meio da calçada. Entre o prédio e a rua. Caminhava ele. Sozinho. Com uma sacola na mão. Pressuponho que seja pão. Todo mundo compra pão na padaria da esquina às seis da tarde. E ele tinha cara de ser igual a todo mundo. Não me lembrava em nada o Do Contra da Turma da Mônica.
Eu também costumo comprar pão e andar ali neste horário. Mas hoje não fui. Tenho um prazer indescritível em quebrar rotina! Por isso, quando fui ao supermercado, comprei pizza de uma daquelas marcas famosas e coloquei no congelador. Hoje eu vou comer pizza. Pizza, vinho e filme. Uma agradabilíssima combinação. Romântica, quase sensual. Mas ainda era cedo e não me dera fome. Fui para a janela. Espionar o povo lá embaixo. Amo fazer isso. Apreciar o movimento dos transeuntes que nem percebem que estão sendo observados. Foi então que o vi. Ele. O vizinho. Não sei te dizer se é bonito, mas tem um charme só!
Ele é meu vizinho de porta desde que me mudei. Nunca trocamos mais que um "Bom dia". Sequer sei o nome dele. Não sei o que ele faz da vida. Só sei que ele me atrai - e muito.
Vi-lo entrar no prédio. Ficar na janela de repente perdeu o sentido. Fui então, ler um livro. Machado de Assis, creio. Iaiá Garcia.
Mais tarde, eu já tinha posto a pizza no forno, tinha passado das primeiras páginas, quando a campanhia tocou. Estranho. Eu não tinha visitas para receber hoje. Olho mágico serve para isso. Caí dura, quase. O vizinho. Batendo à minha porta. Literalmente. Abri.
- Desculpe, mas comprei pão e esqueci da manteiga. Você tem um pouco para me dar?
- Não tenho.
- Aqui está um cheiro bom!
- É a pizza.
- Adoro pizza.
- É grande, não vou conseguir comer tudo sozinha. Quer dividir comigo? Tenho também uma garrafa de vinho.
O desfecho é com vocês!

quarta-feira, 15 de junho de 2011

Nas entrelinhas da subjetividade

O mundo explodiu. Ou saí dele e não me dei conta. Posso ter dormido e acordado no país da fantasia. Ou talvez tenha ficado maluca. Mas isso não tem importância. Assim, posso escolher uma das opções. Fico com a primeira. O mundo explodiu. E agora vejo coisas bizarras conspícuas e inconspícuas. Descrever para você? Melhor fazer um filme.
No meio dessa bagunça, achei uma cafeteria. Lá fui eu. Sentar, tomar um capuccino e talvez comer um pãozinho de queijo. Não tinha nada disso. Me ofereceram um troço (esquisito que nem o lugar) à base de cafeína também. Mas até que estava gostoso. Sentei-me. Um gato vira-lata se aninhou nas minhas pernas. Acariciei. O bicho gostou. Ficou mais à vontade. Subiu no colo. Deu uma lambida na minha bebida. Sem reação. Foi como eu fiquei. E se ele tivesse uma doença, se tivesse matado uma lagartixa há pouco? Era melhor jogar tudo fora.
Senti algo no meu ombro. Uma mão.
- O ralo da pia é ali, mas se eu fosse você, não iria até lá.
- O que quer dizer com isso?
- Aprenda a captar sinais e meias palavras. Aí sim, entenderá sozinha minha frase.
- Mas... - parei. A pessoa não estava mais ali. Nem sei quem era. Não deu tempo de perguntar. Não sei se perguntaria, de qualquer forma. Aquele tom autoritário...
Era melhor obedecer e não chegar perto do ralo da pia. Mas o que havia lá? Um perigo à espreita? Que perigo? Naquele mundo bagunçado, explodido, eu não sabia de mais nada. A lógica não fazia sentido.
O gato continuava lambendo minha xícara. Desisti da bebida. Não tinha importância. O ambiente à minha volta tinha seu atrativo. Seres estranhos com suas particularidades, talvez comuns na imaginação infantil: como uma pulga com cara - e óculos fundo de garrafa - de intelectual, andando de ponta-cabeça.
Quando me dei conta, estava com a boca aberta, o queixo caído. E o gato porco a lamber meus dentes.
Fiquei puta, com nojo, joguei-o pro lado. Mas ele subiu no meu colo de novo.
Concluí que era melhor ficar amiga íntima dele de uma vez. Tomei o resto da bebida. Entendi o sujeito. Eu não devia jogar nada fora porque eu e o gato éramos uma coisa só. Uma unidade.
Levantei com o bicho no colo. Ia para casa dar um nome a ele. Onde era minha casa agora?
Eu teria que descobrir.

sexta-feira, 20 de maio de 2011

Sem lenço, sem documento

A pino. Assim estava o sol naquele dia de dezembro. Não me pergunte o dia exato. Não sei. Minha memória não é tão afiada assim. Só lembro que era dezembro. E eu dava uma de Caetano Veloso: caminhava sem lenço e sem documento.
Com uns trocados no bolso, andava sob o sol quente a esquentar meus miolos, o suor a escorrer. Queria um banho frio. Pensava na minha má sorte de morar numa cidade quente do cacete. Entre o mar e a montanha, aqui poderia ser mais fresco. Mas não. Vê-se até a fumaça do asfalto fritando.
Andava. Em direção a nada. Em direção a algum lugar.
Que diferença faria? O importante era a minha busca. Aquilo que eu queria encontrar. Algo que meus poucos trocados pudessem alcançar.
Pelas tantas, encontrei Josué. Também suado, vestia um bermudão de tecido leve, camisa de algodão e sandálias tipo pescador. Cumprimentamo-nos efusivos. Fazia tempo que não nos víamos. Perguntei o que fazia por aquelas bandas.
- Sigo em busca de algo que meus poucos trocados me permitam alcançar.
Pasmei! Não sabia que havia outros (in)sanos a procurar algo intangível. Não palpável, mas muito mais valioso.
Juntamo-nos e passamos a caminhar juntos.

quinta-feira, 21 de abril de 2011

(Fora do) Cotidiano

Duas xícaras, dois pires, duas colheres e um prato, por favor.
Murilo não come nada pela manhã. Toma apenas um café preto e forte. Eu sei que isso é errado. Mas de nada adianta falar. Murilo não come nada pela manhã e não se fala mais nisso.
Agora, meu filho, pode me dar licença que Murilo vem chegando.
A garrafa térmica já estava sobre a mesa e as frutas também.
Vi Murilo sorrir com satisfação. Imaginei-o projetando a cena do café fumegante a cair na xícara indiana.
- Não é pelo café, querida,
Ãhn? - Disse para mim mesma, fiquei quieta diante dele.
- Que cara é essa? Não acredita no que falei? Disse que não sorri pelo café.
- Eu apenas não entendi o que isso significa.
- Significa que não não sorri pelo café. Simples.
Continuei sem entender bulhufas, mas não disse mais nada. Tem horas que o silêncio e a interrogação são mais amigos.
Comi uma fatia de melão, tomei meu café. Nada de conversa. Murilo olhava para mim e sorria. Não dizia uma só palavra.

terça-feira, 12 de abril de 2011

Como uma Sereia

Analu não tinha muita opção. Ou enfrentava, ou recuava. Mas às vezes ter mais de uma opção é um problema. Obriga a fazer uma escolha. E nem sempre sabemos o melhor caminho a seguir. É o caso de Analu agora. Ela não sabe o que fazer. Não sabe o que escolher para si. Tem medo dos espinhos das plantas que pode encontrar na estrada. Mas no fundo, lá no fundo, ela sabe o que quer.
Chegou em casa, passou a tranca na fechadura da porta da sala. Pensa nas duas opções. Quase de descabela. Analu é uma pessoa estressada. Ainda bem que tem cabelo curto. Senão, arrancado as madeixas já teria. Ainda bem também que tem uma banheira. Foi para lá que seguiu. Pegou alguns sais para banho, que não sei precisar quais eram, no armário embaixo da pia.
Fez um mar de espumas e mergulhou lá dentro, prendendo o fôlego. Não sentia o aroma, mas podia sentir a maciez dos sais na pele. É como se toda a toxina acumulada no seu corpo pelo estresse se esvaísse. Sentia-se mais leve a cada segundo que passava como uma sereia.
Ergueu-se de supetão. Como uma sereia? Não! Sim! Não! Sim!
E agora, José? A fada lhe dera uma hora para pensar. Analu sabia o que queria. Mas ela tinha medo da sua escolha.
A água faz parte dela. Da sua essência e personalidade. Mas a arte também. Como viver sem arte? Ela é a única sereia que sobrou. No mar, não tem a quem mostrar sua arte. Foi por isso que ganhou pernas, saiu de lá e foi expor numa galeria. Para fazer um teste. E agora tem que responder em uma hora. Volta para o mar ou vira humana definitivamente, produzindo arte e expondo?
Façam suas apostas.

sábado, 9 de abril de 2011

Memória

Deixou de ser presente
virou pretérito.
Deixou de ser real
virou imagem.
Deixou de ser gente
virou memória.
Memória
é a imagem
do pretérito.
O que aconteceu ontem
é pretérito.
A lembrança do pretérito
é uma imagem.
A imagem do pretérito
é uma memória.

sexta-feira, 1 de abril de 2011

É só um momentinho

Sabe quando você vê que tudo é um absurdo e não pode fazer nada?
Sabe quando você vê que certas coisinhas estão se complicando e não pode fazer nada?
Sabe quando você se dá conta que só vai poder agir daqui a algum tempo?
Sabe quando certas coisas começas a encher o saco?
Ah. Um momento de desânimo.
Um momentinho só.
Amanhã é um novo dia.
Um novo dia.
Uma nova data.
Tudo passa.
Os momentos, as coisas.
A vida.
Tudo, tudo passa.
O tempo, a vida.
A tristeza, o desânimo.
O sorriso pode sumir.
Por um momentinho, mas é a única coisa que é eterna.
Um sorriso não se apaga.
Tudo é um momento
só um momentinho.

terça-feira, 22 de fevereiro de 2011

Abaixo da Terra

Estou exausta. Muito cansada. A cabeça dói. A garganta também. Gostaria de gritar. Chamar a atenção. Quero que lembrem da minha existência. Enquanto eles estão num andar de um prédio, eu me encontro no lençol freático. Lá embaixo. Na terra do capeta. Me mandaram pra lá fazer nada. nada. Ocupar meu tempo com coisa nenhuma.
Cansei de fazer bosta alguma. Quero ser socorrida, retirada lá de baixo. É pedir muito? Gostaria apenas de ser o que sou na essência: um ser humano. Um ser humano em carne e osso. Não sou um espírito. nada justifica minha invisibilidade. Não tenho a capa do Harry Potter.
Claro que ninguém me vê. Tem muita terra em cima de mim. Elementares da terra me fazem companhia. E se banham no lençol freático que é o mar das minhas lágrimas do esquecimento.
Cavem, cavem, cavem. Estou lá embaixo! Podem me ouvir?

quarta-feira, 9 de fevereiro de 2011

Lição do Beija-Flor

A janela velha, de madeira desgastada pelo decorrer dos anos, estava quebrada. Com um certo cuidado, Elisa a abriu. Queria ver a paisagem. Mas não havia paisagem. Não no sentido amplo e poético da palavra. O que se via era uma imagem cinzenta, típica das grandes metrópoles sem beleza natural.
Debruçou-se. Olhava os carros, os ônibus passarem, os transeuntes a andar, mas nada notava. Sua cabeça estava longe, da mesma cor que a imagem mostrada pela janela.
Ela não percebeu, mas alguns dedos sangravam. De tão nervosa, tinha comido além das cutículas e se machucara. A dor no coração era maior para que sentisse os dedos latejarem. Gotas pingavam no parapeito. Um modo de dar um colorido à escala cinza.
Manchas vermelhas se formavam. Como uma marca de cada ferida não cicatrizada que ela tinha. A registrar cada lágrima não chorada. Não. Elisa não chorava. Ela não sabia fazê-lo. Aprendera apenas a sentir dor sozinha, lá dentro da caixa torácica. E a dor sangrava. Mais que os dedos a gotejarem no parapeito.
Um beija-flor veio voando. Pousou na janela. Ficou a olhar Elisa por um longo tempo, numa cena surreal. Parecia que ele sabia que ela não ia fazer-lhe mal. Mais: parecia que ele se incomodava com a introspecção dela. Não a queria tão distante. Queria-na ali perto. A notá-lo. Numa atitude extrema, bebeu um pouco do sangue que ainda pingava. Como se isso pudesse aproximá-lo de Elisa.
Foi então que ela o viu. E viu também seus dedos sangrando. Ficou dividida. Não sabia o que a espantava mais. Ficou alguns segundos olhando para os dedos e para o pássaro. Decidiu-se pelo beija-flor. Era exótica aquela cena. Num cenário cinzento, um animalzinho azul e verde olhava fixamente para ela e bebia seu sangue. Decididamente, aquilo não era corriqueiro. Elisa então se esqueceu de todos os problemas. Esqueceu que chorar não lhe era permitido. Esqueceu que o coração a comprimia. Derramou algumas lágrimas. de emoção. Uma molhou a cabeça do beija-flor.Ele olhou para ela e voou para longe.
Elisa tinha aprendido a chorar.

segunda-feira, 7 de fevereiro de 2011

Ócio

Eu vou
para um lugar distante
eu vou
preencher meus dias
com ócio.
E tédio.
Num lugar
que nada se faz
a não ser
esperar.
Esperar o que?
Alguma coisa
que preencha meus dias.
E de nada adianta
perguntar.
Neste lugar
resta-me apenas
(des)curtir o ócio
e seguir esperando.
Ócio,
ócio,
para que te quero
ocupando meus dias?
Diga-me
como fugir de ti.

domingo, 23 de janeiro de 2011

Cheiro do Balde

Juro. Juro.
Juro para você.
Eu vou chutar o balde.
Cheio de bosta dentro.
Paciência
é que nem ferro.
Corrói,
enferruja.
Não dura a vida toda,
sobretudo num lugar
úmido e quente.
Eu vou chutar o balde.
Cheiro ruim nunca passa
despercebido.

segunda-feira, 10 de janeiro de 2011

Uma escritora (quase) fracassada

Escrever. Era o que eu queria fazer. Mas era impossível. Minha mente estava em atividade máxima. E isso embaralha as coisas. Não consigo organizar meus pensamentos nessas condições.
Sobre a mesa do meu quarto que às vezes funciona como escrivaninha, um lápis, uma borracha quase inútil de tão pequena e suja, algumas folhas ofício e um notebook. Vê-los me deu ânsia de vômito. Pelo simples fato de que queria escrever e saber que não conseguiria. Estava incapacitada de produzir qualquer tipo de arte. Coloquei o chinelo e fui lá pra fora. Andar. Para desanuviar a cabeça. Esquecer um pouco aquele mundo de coisas que invadiam o meu interior. Tudo se atropelava, talvez eu conseguisse colocar um sinal no tráfego dos meus neurônios. Droga! Eu queria acreditar nisso. Mas não conseguia.
Raiva. Chutei uma pedra portuguesa solta desavisada que apareceu na minha frente. Estava de tênis, um all star velho e furado, mas era o suficiente para não machucar meu pé.
Tênis? Chinelo? Ah, não sei mais. Já peguei chuva de chinelo, de all star furado. Aquele dia foi apenas mais um e certos detalhes me fogem à memória.
Andei até ficar toda encharcada e não sobrar uma parte seca do meu corpo. E então, comecei a correr. Correr na chuva. Pisar em poças e jogar água para todos os lados. Me imaginar com uma capa amarela e cantar, rodopiando postes de luz. Se me vissem, achariam que eu tenho problemas psiquiátricos. Mas não havia ninguém na rua. Era madrugada. Sorte a minha de não morar em cidade grande e poder andar sem medo.
Voltei para casa, entrei pela porta da cozinha. Me despi. Deixei a roupa no tanque, para não molhar o carpete.
E então, tive uma ideia. Corri, peguei o lápis e uma folha de papel.
Ufa! Livrei-me do sentimento de escritora fracassada.

©2007 '' Por Elke di Barros