terça-feira, 22 de fevereiro de 2011

Abaixo da Terra

Estou exausta. Muito cansada. A cabeça dói. A garganta também. Gostaria de gritar. Chamar a atenção. Quero que lembrem da minha existência. Enquanto eles estão num andar de um prédio, eu me encontro no lençol freático. Lá embaixo. Na terra do capeta. Me mandaram pra lá fazer nada. nada. Ocupar meu tempo com coisa nenhuma.
Cansei de fazer bosta alguma. Quero ser socorrida, retirada lá de baixo. É pedir muito? Gostaria apenas de ser o que sou na essência: um ser humano. Um ser humano em carne e osso. Não sou um espírito. nada justifica minha invisibilidade. Não tenho a capa do Harry Potter.
Claro que ninguém me vê. Tem muita terra em cima de mim. Elementares da terra me fazem companhia. E se banham no lençol freático que é o mar das minhas lágrimas do esquecimento.
Cavem, cavem, cavem. Estou lá embaixo! Podem me ouvir?

quarta-feira, 9 de fevereiro de 2011

Lição do Beija-Flor

A janela velha, de madeira desgastada pelo decorrer dos anos, estava quebrada. Com um certo cuidado, Elisa a abriu. Queria ver a paisagem. Mas não havia paisagem. Não no sentido amplo e poético da palavra. O que se via era uma imagem cinzenta, típica das grandes metrópoles sem beleza natural.
Debruçou-se. Olhava os carros, os ônibus passarem, os transeuntes a andar, mas nada notava. Sua cabeça estava longe, da mesma cor que a imagem mostrada pela janela.
Ela não percebeu, mas alguns dedos sangravam. De tão nervosa, tinha comido além das cutículas e se machucara. A dor no coração era maior para que sentisse os dedos latejarem. Gotas pingavam no parapeito. Um modo de dar um colorido à escala cinza.
Manchas vermelhas se formavam. Como uma marca de cada ferida não cicatrizada que ela tinha. A registrar cada lágrima não chorada. Não. Elisa não chorava. Ela não sabia fazê-lo. Aprendera apenas a sentir dor sozinha, lá dentro da caixa torácica. E a dor sangrava. Mais que os dedos a gotejarem no parapeito.
Um beija-flor veio voando. Pousou na janela. Ficou a olhar Elisa por um longo tempo, numa cena surreal. Parecia que ele sabia que ela não ia fazer-lhe mal. Mais: parecia que ele se incomodava com a introspecção dela. Não a queria tão distante. Queria-na ali perto. A notá-lo. Numa atitude extrema, bebeu um pouco do sangue que ainda pingava. Como se isso pudesse aproximá-lo de Elisa.
Foi então que ela o viu. E viu também seus dedos sangrando. Ficou dividida. Não sabia o que a espantava mais. Ficou alguns segundos olhando para os dedos e para o pássaro. Decidiu-se pelo beija-flor. Era exótica aquela cena. Num cenário cinzento, um animalzinho azul e verde olhava fixamente para ela e bebia seu sangue. Decididamente, aquilo não era corriqueiro. Elisa então se esqueceu de todos os problemas. Esqueceu que chorar não lhe era permitido. Esqueceu que o coração a comprimia. Derramou algumas lágrimas. de emoção. Uma molhou a cabeça do beija-flor.Ele olhou para ela e voou para longe.
Elisa tinha aprendido a chorar.

segunda-feira, 7 de fevereiro de 2011

Ócio

Eu vou
para um lugar distante
eu vou
preencher meus dias
com ócio.
E tédio.
Num lugar
que nada se faz
a não ser
esperar.
Esperar o que?
Alguma coisa
que preencha meus dias.
E de nada adianta
perguntar.
Neste lugar
resta-me apenas
(des)curtir o ócio
e seguir esperando.
Ócio,
ócio,
para que te quero
ocupando meus dias?
Diga-me
como fugir de ti.

©2007 '' Por Elke di Barros