Vento forte, pingos grossos. Ela olhava a chuva através da janela de seu pequeno apartamento. Olhava, mas não via. Seu pensamento estava muito longe para se dar conta da beleza do aguaceiro que caía do céu.
E ela também era do tipo que não percebia a beleza da natureza, ela não conhecia o carpe diem. Era do tipo de pessoa que existia ao invés de viver. Raros eram os momentos em que se permitia viver o presente. Raríssimos.
Naquele momento, ela pensava no trabalho. Aliás, sua vida se resumia a isso: às coisas práticas como acordar, levantar, comer, tomar banho, trabalhar, pagar as contas, dormir. E assim ela seguia sua vida rotineira e robótica.
Tudo era o prático. Não havia espaço para o sentimento. Talvez até houvesse, mas ela havia fechado as portas para aquilo que não fosse tão objetivo.
Os dias iam passando. Um após outro. Todos iguais. E ela não se cansava. Para falar a verdade, até gostava da monotonia, sentia-se confortável assim. Afinal, existir era mais fácil que viver.
Aquele dia era um domingo. Seu dia de folga e o mais temido da semana. Era o dia de fugir da rotina, coisa que ela não sabia fazer. Geralmente visitava os parentes apáticos num bairro distante. Mas em dia de chuva lá enchia, e ela tinha que ficar em casa. Não, não tinha. Ela podia sair, ir ao cinema que ficava a uma quadra do apartamento. Mas ela escolhia a clausura. E olhava a janela, sem nada ver. Se passasse um beija-flor como acontecia de vez em quando, ela nem notaria. À sua frente, em vez do vento forte e dos pingos grossos, ela via as imagens do seu dia-a-dia. A imagem do óbvio, da rotina.
Ela era um robô. Parecia programada para ver apenas a rotina.
E assim ela morreu. O coração parou quando ela estava debruçada na janela, pensando na vida robótica. O vento estava forte e a chuva caía em pingos grossos.
Quase a mesma a praça
Há um ano