terça-feira, 31 de agosto de 2010

Resgate Tardio

O sorriso habitual não estava no meu rosto quando me olhei no espelho. Meus lábios pendiam para baixo e meus olhos estavam vermelhos.
Mandei meu amigo Carpe Diem pastar. Não tinha como encará-lo agora. O mar não era mais azul. Era preto.
A dor chegou para se hospedar dentro de mim. Escovei os dentes logo após uma refeição. Olhei pela janela do banheiro. Com o hálito fresco do creme dental, vendo os carros passarem pela minha rua, chorei.
Vivo numa ilha deserta. Por mais que tenha peixes, pássaros lindos, eles não falam comigo. Me ignoram. Não me veem. É como se eu não existisse. Falar com a árvore? Ela também é adepta do silêncio. Sinto-me tão só, atrás de uma grade imaginário, sem poder fugir para um mundo onde exista gente de verdade. Mas não tenho como fazê-lo. O mar é cheio de armadilhas. Só posso esperar o navio de resgate. E o navio tarda. Como tarda!
Lavei o rosto, retirei a maquiagem. Penteei meus cabelos, coloquei um pijaminha, deitei na cama. Não consegui dormir. Com lágrimas nos olhos, ainda aguardava o navio.
Talvez seja melhor acender uma fogueira, fazer sinal de fumaça. Talvez alguém me veja. Talvez alguém me ache.

domingo, 29 de agosto de 2010

Hora de Almoço

Meio dia e treze. Era o que o relógio digital no pulso dela marcava. devia estar certo; ela era daquelas que ligava para o 130 e verificava até os segundos.
Neurose? Talvez. Idiossincrasia? Com certeza. Mas isso pouco importa. Não faz diferença num simples relato cotidiano.
Clara estava no seu horário de almoço. Tinha acabado de fazer uma refeição rápida. Algumas folhas, filé de salmão ao molho de alcaparras, suco de acerola. Com o estômago satisfeito, estava agora dentro de uma igreja. Qual, ela não saberia dizer. Não era importante. O que fazia diferença era que Clara conversava com Deus. Em silêncio, usando o mental, mas conversava. Punha em prática a sua fé. E a sua pequenez, ao se dirigir a algum ser superior sem poder vê-lo, tampouco saber como Ele é.
Mas Clara não ligava para isso. Com a roupa elegante do trabalho e sapatos de bico, desnudava-se. Espiritualmente falando, claro. Conversava, implorava, pedia orientação, agradecia. Transparente e translúcida, jogava-se nos braços de Deus.
O curioso é que ninguém via a beleza da cena. Quem imaginaria que Clara, com sua cara e indumentária de executiva tinha fé?
Não, ela não é católica. Não tem uma religião definida. Acha que religiões são rótulos. Ela apenas gosta de conversar com Deus. Em qualquer lugar silencioso e propício à oração.
Sente-se mais leve agora. Com a alma lavada e despida de impurezas. Olha para o relógio. 12:33. Hora de sair. Correndo. De volta ao trabalho.

©2007 '' Por Elke di Barros