terça-feira, 26 de maio de 2009

Último dia

Vento forte, pingos grossos. Ela olhava a chuva através da janela de seu pequeno apartamento. Olhava, mas não via. Seu pensamento estava muito longe para se dar conta da beleza do aguaceiro que caía do céu.
E ela também era do tipo que não percebia a beleza da natureza, ela não conhecia o carpe diem. Era do tipo de pessoa que existia ao invés de viver. Raros eram os momentos em que se permitia viver o presente. Raríssimos.
Naquele momento, ela pensava no trabalho. Aliás, sua vida se resumia a isso: às coisas práticas como acordar, levantar, comer, tomar banho, trabalhar, pagar as contas, dormir. E assim ela seguia sua vida rotineira e robótica.
Tudo era o prático. Não havia espaço para o sentimento. Talvez até houvesse, mas ela havia fechado as portas para aquilo que não fosse tão objetivo.
Os dias iam passando. Um após outro. Todos iguais. E ela não se cansava. Para falar a verdade, até gostava da monotonia, sentia-se confortável assim. Afinal, existir era mais fácil que viver.
Aquele dia era um domingo. Seu dia de folga e o mais temido da semana. Era o dia de fugir da rotina, coisa que ela não sabia fazer. Geralmente visitava os parentes apáticos num bairro distante. Mas em dia de chuva lá enchia, e ela tinha que ficar em casa. Não, não tinha. Ela podia sair, ir ao cinema que ficava a uma quadra do apartamento. Mas ela escolhia a clausura. E olhava a janela, sem nada ver. Se passasse um beija-flor como acontecia de vez em quando, ela nem notaria. À sua frente, em vez do vento forte e dos pingos grossos, ela via as imagens do seu dia-a-dia. A imagem do óbvio, da rotina.
Ela era um robô. Parecia programada para ver apenas a rotina.
E assim ela morreu. O coração parou quando ela estava debruçada na janela, pensando na vida robótica. O vento estava forte e a chuva caía em pingos grossos.

domingo, 17 de maio de 2009

Oco

O oco
da árvore.
O oco
do coco.
O oco
da colméia.
O oco,
o vazio,
o oco.
O espaço
interno.
O oco
da alma.

segunda-feira, 4 de maio de 2009

Cor


As cores.
As cores do mundo. As cores compõem o mundo e as coisas que fazem parte dele.
Catarina pensava nisso. Nas cores. Ela tinha a pele branca, o cabelo preto e os olhos cinza. Como numa imagem em preto e branco, mas ainda assim, eram cores. Talvez uma cor sem cor, mas não deixavam de ser cores.
Para quebrar o preto e branco havia um detalhe em sua roupa. A calça era preta, o tênis e a camiseta eram brancos. Mas ela usava um colar. Vermelho.
Essa imagem de Catarina tinha fundo. Desfocado, priorizando a figura humana, mas não deixava de ser um fundo. Tinha cores da escala cinza dos prédios antigos e abandonados, mas tinha também casas coloridas em azul-índigo ou amarelo-gema.
A imagem ao fundo alegrava as cores sem vida de Catarina.
As cores eram o sentido daquela foto. Elas tinham um significado no contexto e por si só. E a figura de Catarina sozinha não dizia nada.
O sentido é a cor.
O palpável é a cor.
O significado é a cor.
A lógica é a cor.
A razão é a cor.
O sentimento é a cor.
A cor é tudo. E tudo é cor.
E Catarina sabia disso. Não é de se espantar que só tirasse fotos onde houvesse um fundo que tivesse a cor que continha o significado que ela queria.
Ao olhar pela janela, ela sabia o que a vista lá fora queria dizer. Captava as cores com seus significados e decifrava o código. A imagem não era a mesma todos os dias. Uma folha roxa caída no chão ou um pássaro verde a voar faziam toda a diferença na mensagem final. Afinal, eles eram uma cor a mais, um significado a mais (ou a menos).
E assim, Catarina trabalhava as cores em sua tela. Usando a escala cinza para os "sem-sentido", como ela própria era e envolvendo-o com o colorido do significado que pretendia dar. Às vezes Catarina não pensava em dar significado nenhum. Cabe ao espectador fazer a própria leitura das cores à sua frente.
O sentido é a cor.
O palpável é a cor.
O significado é a cor.
A lógica é a cor.
A razão é a cor.
O sentimento é a cor.
A cor é tudo. E tudo é cor.

sexta-feira, 1 de maio de 2009

Metáforas

Azul,
verde,
vermelho,
laranja,
lilás,
dourado,
branco.
Cores.
Sentimentos.
Equivalências, representações.
Ligue os pontos,
as cores,
os sentimentos.
Serenidade,
esperança,
raiva,
alegria,
sono,
luz,
paz.

©2007 '' Por Elke di Barros