terça-feira, 29 de setembro de 2009

Influência do clima

Eu estava ali, quieta no meu canto. Sem falar, sem manifestar-me, embora tivesse vontade. Estava sentada numa das cadeiras à extrema esquerda da sala. Eu podia estar parada, mas meus olhos passeavam. E meu coração também.
Conhece o resultado dessa adição? Perspicácia. Os olhos dão os fatos. O coração, a intuição.
O evento estava bom. Um evento cultural literário. Textos bons. Pessoas ávidas por mais conhecimentos. Bons leitores.
Mas o todo não se resume a isso. Muito menos para um observador. De pessoas. Havia algo estranho no ar. Alguns indivíduos naquela sala sentiam um certo desconforto. Percebi nos pequenos detalhes, nas entrelinhas. Desde o primeiro instante.
Continuei na minha, a observar. Meu cérebro trabalhava. Eu estava a imaginar o que se passava pela cabeça de cada uma daquelas pessoas. E como elas reagiriam ao final de tudo aquilo. A única coisa que eu sabia é que algo sairia errado para alguém.
Por alguns instantes, desliguei-me dos seres humanos ali presentes. Comecei a prestar atenção na arte que transcorria. Ouvi narrarem um conto. Muito bem narrado, aliás. Palmas. Abri minha bolsa, pequei um casaco para proteger-me do ar condicionado. Um poema. Palmas. Olhei bem para o cenário adiante e notei como era bonitinho, bem decorado. Outro conto. Palmas. Voltei a pensar nas pessoas. O tempo estava andando. Mais um conto. Palmas. Era o final do evento. Mais palmas. Alguns comentários. Era hora de recomeçar a me focar nas pessoas com mais cuidado. Palmas. Acabou.
Todos levantaram-se das cadeiras, do chão, ou de qualquer outro lugar que tenha servido de assento para a bunda. Alguns vão em direção à porta - uma parte com calma, a outra, com pressa, ávida por uma baforada de ar quente. Outros dirigem-se a outras pessoas. Tem muito outro nesse parágrafo. Licença literária, dá licença. Prosseguindo. Querem interagir, de alguma forma. Com ou sem razão específica.
Mas não havia clima. Os ansiosos por calor humano foram obrigados a desistir.
O evento foi bom. Mas ao final, todos tiveram que caminhar porta afora. Sem uma palavra.

segunda-feira, 21 de setembro de 2009

Parede

Eu sou uma parede.
Não lembram que eu existo.
Não olham para mim.
Não conversam comigo.
Só porque mostrei uma das minhas facetas.
Só porque disse o que vinha no fundo de minh´alma.
Não sou mais uma pessoa.
Não olham para mim.
Não conversam comigo.
Eu sou uma parede.

domingo, 6 de setembro de 2009

Detalhes

A cortina do quarto é uma veneziana horizontal lilás. Encontra-se suspensa. A claridade acinzentada da manhã entra pela janela revelando um dia feio. Feio? Não necessariamente. Dias nublados e com cara de chuva podem ter sua beleza singular e idiossincrática.
Uma foto daquele quarto não serviria para ilustrar páginas de revista. Lençóis, edredom embaralhados na cama. Dois travesseiros também embaralhados na cama e um terceiro caído no chão. Criado-mudo com pelo menos duas dezenas de livros empilhados. Uma verdadeira mistura de títulos, autores assuntos: de Shakespeare a Freud, De Fernando Morais a Tólstoi, de Eragon a Dom Casmurro. Pequena escrivaninha com montanhas de papéis rabiscados, amassados, rasgados, mais lápis, borracha, caneta. Eram rascunhos, resumos, escritos do dia anterior. Na cadeira, uma calça jeans e uma regata verde-esmeralda. Tênis embaixo da cama. Caneca d´água ao lado da pilha de livros. Almofada redonda e vermelha no canto com um gato amarelo sentado em cima.
Barulho de torneira. Cessa. barulho de descarga. Cessa. Barulho de chuveiro por uns dez minutos. Cessa.
Passos se aproximando. A personagem entra no quarto. Pega as roupas sobre a cadeira e veste-se, jogando a toalha molhada na cama. Nem encosta nos tênis à sua vista. Abre o armário. Pega um chinelo de borracha. Rosa-choque. Quem foi que disse que a personagem se preocupa em combinar cores? Idiossincrasia. Combinar cores é coisa de gente comum. Abre uma gaveta e pega uma bolsa laranja. Dentro, enfia o lápis, a borracha, os escritos e alguns papéis em branco.
Passos se afastando. A personagem está saindo do quarto.
A cozinha. Pão de forma integral em cima da mesa. Queijo minas e geléia de amora na geladeira. A personagem faz um sanduíche. Enche um copo com leite. Puro. Toma seu café da manhã.
O dia está apenas começando.

©2007 '' Por Elke di Barros