A porta estava aberta quando eu cheguei naquela casa. Mesmo assim, bati palmas - ali não havia campainha. Ninguém respondeu. Bati palmas mais uma vez. Nada. Usei a voz:
- Ó de casa.
Nada.
- Ó de casa.
Nada de novo.
- Ó de casa.
Nenhuma resposta.
Resolvi entrar.
O interior exalava um odor fétido, oriundo da alta umidade, supus. A aparência era de um lugar abandonado, cheio de poeira e teias de aranha, mas havia um senhor sentado numa cadeira de balanço com o encosto de palhas soltando. Ele usava um chapéu, também de palha, e fumava um cachimbo. Ou seria um charuto? A semi-escuridão do ambiente não me permitia ter certeza. Concluí que devia ser um cachimbo, a meu ver, combinava mais com o aspecto do homem.
- Com licença, senhor...
- A porta está aberta. Isso significa que a casa está de portas abertas, não? - interrompeu-me; fiquei até encabulada.
- S...sim. Mas creio que seja mais educado bater à porta.
- Às favas com a educação!
Que senhorzinho estranho, pensei. Ele se calava do nada, falava coisas inusitadas, mas também não perdia tempo.
- Senhorita, se veio até aqui, suponho que tenha algo a dizer ou fazer, Tem um banco à sua frente. Pode se sentar.
Pela tênue claridade da vela, pude ver que o banco estava empoeirado. Mas recusar-me a sentar seria uma ofensa ao senhor e eu não poderia seguir o "conselho" dele de ignorar a educação. Não devia era ter vindo de calça branca. Mas era tarde demais para pensar no que devia ou não. Eu estava de calça branca e tinha que sentar num banco imundo, isso era um fato. Puxei o banco e sentei-me.
Sentada, pude observar melhor o rosto daquele senhor. Ele tinha uma expressão fisionômica bastante fechada e ao mesmo tempo, serena. Constatei que ele fumava era um cachimbo.
- E então? O que a trouxe aqui.
Olhei fundo nos olhos daquele senhor. Foi então que percebi que tinha apenas uma resposta a dar.
- Não sei.
quarta-feira, 29 de julho de 2009
O Saber
Escrito por Juliana Amado às 23:08 1 comentários
sexta-feira, 24 de julho de 2009
Olhar
As árvores pela janela
eu olho.
Vejo, olho,
as duas coisas.
Ver
Olhar
Sentir
Captar
Processar
Processar o olhar,
a imagem.
O mar no horizonte
eu olho
Sinto
Capto
Vivo.
O céu alaranjado ao topo
eu olho
Capto
Vejo e olho
As duas coisas.
A vida a mim vem
na imensidão
e nas pequenas coisas.
Escrito por Juliana Amado às 13:27 2 comentários
terça-feira, 14 de julho de 2009
Rasgados
Rasgado.
Rasgados, no plural.
Muitos rasgados. E tão próximos.
Meu lençol está assim.
Em péssimas condições.
Há condições de remendá-lo? – pergunto eu.
Difícil, difícil.
Mas não há como jogá-lo fora.
É um órgão vital meu.
Será possível arrancá-lo do fundo?
Afastá-lo da escuridão do lençol freático
E trazê-lo à luz da superfície?
Deve haver um jeito, um caminho, uma mágica.
Sim. Há.
O tempo.
Escrito por Juliana Amado às 21:17 3 comentários
domingo, 5 de julho de 2009
Reflexão de um estranho
Eu nasci num lugar estranho, num tempo estranho. Isso é o que dizem, os convencionais.
E eu me pergunto se existem mesmo lugares estranhos. Não estou tão certo se o termo estranho deveria existir. O que é estranho? Será que o estranho é estranho mesmo ou é apenas diferente?
Será que sou um estranho? Ou apenas nasci num lugar diferente e tenho um comportamento atípico?
Não, eu não sou um estranho! Apenas não sou igual a todo mundo. Eu sou eu. Sou único, uma individualidade. Todas as pessoas são uma produção industrial em série. Em alguns casos talvez, uma produção artesanal. Eu não. Sou obra de um artista! E obra de artista é obra única; sou daquelas datadas e assinadas. Assinada pela minha mãe.
Quer ver alguém chamar a obra de um artista plástico de estranha. Não chamam. E a obra é sempre única.
Assim como as obras de arte, eu devia ser admirado, não? Admirado por ter a minha individualidade, e ser o único no mercado, irreproduzível.
Quando eu vivia na comunidade em que nasci, ninguém me chamava de estranho. Eles aceitavam o diferente, o atípico. Eles também eram diferentes. Mas diferentes sem serem iguais entre si. Eles também eram obras de arte. Obras de um tempo estranho de pessoas estranhas como falam.
Vivíamos numa barraca e éramos felizes.
Cantávamos e dançávamos ao redor da fogueira e éramos felizes.
Jogávamos pedrinhas no rio e éramos felizes.
Andávamos coloridos e éramos felizes.
Nós éramos felizes!
E porque sou um estranho? Aprendi a ser feliz. Ser feliz é ser estranho? Não!
Eu não sou estranho! Sou apenas uma obra de arte datada e assinada.
Escrito por Juliana Amado às 20:07 2 comentários