A janela velha, de madeira desgastada pelo decorrer dos anos, estava quebrada. Com um certo cuidado, Elisa a abriu. Queria ver a paisagem. Mas não havia paisagem. Não no sentido amplo e poético da palavra. O que se via era uma imagem cinzenta, típica das grandes metrópoles sem beleza natural.
Debruçou-se. Olhava os carros, os ônibus passarem, os transeuntes a andar, mas nada notava. Sua cabeça estava longe, da mesma cor que a imagem mostrada pela janela.
Ela não percebeu, mas alguns dedos sangravam. De tão nervosa, tinha comido além das cutículas e se machucara. A dor no coração era maior para que sentisse os dedos latejarem. Gotas pingavam no parapeito. Um modo de dar um colorido à escala cinza.
Manchas vermelhas se formavam. Como uma marca de cada ferida não cicatrizada que ela tinha. A registrar cada lágrima não chorada. Não. Elisa não chorava. Ela não sabia fazê-lo. Aprendera apenas a sentir dor sozinha, lá dentro da caixa torácica. E a dor sangrava. Mais que os dedos a gotejarem no parapeito.
Um beija-flor veio voando. Pousou na janela. Ficou a olhar Elisa por um longo tempo, numa cena surreal. Parecia que ele sabia que ela não ia fazer-lhe mal. Mais: parecia que ele se incomodava com a introspecção dela. Não a queria tão distante. Queria-na ali perto. A notá-lo. Numa atitude extrema, bebeu um pouco do sangue que ainda pingava. Como se isso pudesse aproximá-lo de Elisa.
Foi então que ela o viu. E viu também seus dedos sangrando. Ficou dividida. Não sabia o que a espantava mais. Ficou alguns segundos olhando para os dedos e para o pássaro. Decidiu-se pelo beija-flor. Era exótica aquela cena. Num cenário cinzento, um animalzinho azul e verde olhava fixamente para ela e bebia seu sangue. Decididamente, aquilo não era corriqueiro. Elisa então se esqueceu de todos os problemas. Esqueceu que chorar não lhe era permitido. Esqueceu que o coração a comprimia. Derramou algumas lágrimas. de emoção. Uma molhou a cabeça do beija-flor.Ele olhou para ela e voou para longe.
Elisa tinha aprendido a chorar.
Quase a mesma a praça
Há um ano
2 comentários:
Aprender lições como essa valem uma vida.
Lindo, mesmo.
São momentos surreias como esse que nos tiram a apatia, a falta de vontade de notar, reparar...
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