Enquanto a vida brinca, eu a vejo brincar. São poucas as vezes que entro no joguinho. É tão difícil jogar, brincar, sem se machucar. Sem se deixar afetar. Poucos são aqueles que conseguem fugir de um tapa ou um empurrão num jogo. E qualquer dessas coisas dói. Por isso, assisto de camarote.
Assisto as diversões. As canseiras. Os altos e baixos. Ânimo e desânimo. Medo e valentia. Luta e clamor. Eles têm um ideal. O ideal deles me atinge.
Eu não devia ser covarde. Não devia. Mas é tão difícil escolher o caminho mais difícil. Tão difícil olhar olho no olho. No olho da vida. Lá dentro das pupilas. Estremeço-me. Penso nas possíveis consequencias. Olho para o meio. O fim me é inalcançável. O resultado pode ser bom. Eles acreditam nisso. Mas eu não entro na briga.
- Joana. - Alguém me chamou.
- Oi?
- Venha.
- Praonde?
- Para o campo. Vamos jogar queimado.
- Não, obrigada.
- Tem medo, é?
- Não.
- Não?! Tem certeza? Se tem medo é melhor assumir. Ou tem medo de ter medo?
- N...n...
- Ah, Joana. Quer ficar aí, fique.
E virou as costas.
Mas eu a ouvi murmurar para si:
- Eu tenho vergonha alheia.
terça-feira, 27 de setembro de 2011
Nunca de frente
Escrito por Juliana Amado às 23:24 2 comentários
domingo, 11 de setembro de 2011
Carrega-se nas costas
Fazia vinte dias. Desde que ele fora embora e a deixara sozinha com o cachorro que resolvera deixar para trás no último minuto. Não sabia o que pensar do bicho. Era a personificação de uma lembrança. Era também uma companhia.
Não via as amigas. Não via a família. Não via lá fora. Na cidade há gente conhecida demais. Não queria ver conhecidos. Porque eles sempre fazem perguntas. Não queria respondê-las. Não queria encontrar respostas. Evitava, então, indagações.
Dormia várias horas ao dia. Para espantar a memória. Dentro de casa há muitas lembranças. Cada objeto tem uma história. Que remete a ele. O ingrato que foi embora pouco menos de um mês atrás. Que pegou uma mala pequena, sem rodinha, disse que ia viajar, sumiu do mapa e até agora não voltou.
E pensar que ela lhe ofereceu um teto, pagou suas contas. O filho da mãe não tinha onde cair morto. A única coisa que foi capaz de lhe dar foi um cachorro e umas noites quentes. Nem emprego tinha direito. Não se sabe como ele tem se mantido nesses vinte dias. Mas ela não se importa com esta questão. Ela evita é conversar consigo sobre si mesma.
Dormiu, como de hábito. E sonhou que ele era um mendigo.
Escrito por Juliana Amado às 22:37 2 comentários