Fazia vinte dias. Desde que ele fora embora e a deixara sozinha com o cachorro que resolvera deixar para trás no último minuto. Não sabia o que pensar do bicho. Era a personificação de uma lembrança. Era também uma companhia.
Não via as amigas. Não via a família. Não via lá fora. Na cidade há gente conhecida demais. Não queria ver conhecidos. Porque eles sempre fazem perguntas. Não queria respondê-las. Não queria encontrar respostas. Evitava, então, indagações.
Dormia várias horas ao dia. Para espantar a memória. Dentro de casa há muitas lembranças. Cada objeto tem uma história. Que remete a ele. O ingrato que foi embora pouco menos de um mês atrás. Que pegou uma mala pequena, sem rodinha, disse que ia viajar, sumiu do mapa e até agora não voltou.
E pensar que ela lhe ofereceu um teto, pagou suas contas. O filho da mãe não tinha onde cair morto. A única coisa que foi capaz de lhe dar foi um cachorro e umas noites quentes. Nem emprego tinha direito. Não se sabe como ele tem se mantido nesses vinte dias. Mas ela não se importa com esta questão. Ela evita é conversar consigo sobre si mesma.
Dormiu, como de hábito. E sonhou que ele era um mendigo.
Quase a mesma a praça
Há um ano
2 comentários:
É aquela coisa, pensar enlouquece. Faz tempo que não venho aqui, vou dar uma lida nos outros textos. Ah, agora tenho um blog literário (pra falar de livros) com a Ferdi e a Laís, depois nos visita: www.bibliotecaparticular.com
Beijos e saudades!
Fez pensar em várias coisas. Primeiro o direito ao sofrimento, algo tão ausente nos discursos, especialmente os da mídia. Depois, na vida dos objetos, em como nossos afetos os impregnam ao ponto de criarem uma vida própria, ao falarem sem boca. E ainda, pensar se ela não se sentia dona do homem por tê-lo ajudado. Muitas considerações, o sofrimento é válido, mas a fuga também não pode ser menosprezada.
Adorei o texto.
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