quarta-feira, 25 de novembro de 2009

Suco de laranja

Som de vento batendo com força nas janelas. Quatro pratos de macarronada com molho ralo sobre a mesa. Também sobre a mesa, três copos com suco de laranja e um com água. Quatro cadeiras, quatro pessoas.
Silêncio completo. Rezavam. Agradeciam sei lá a quem. Talvez a Deus, ou a Jeová, ou a Alá, a Virgem Maria, aos Mestres Ascencionados, a Buda, aos Anjos, a Jesus? Não sei a religião deles, se é que tinham alguma definida. Mas isso não faz diferença. O fato é que rezavam. Fato relevante, já que era uma das poucas vezes que tinham o luxo de comer macarronada com suco de laranja.
Finda a prece, puseram-se a saborear a comida e a conversar alegremente. Eram pobres, gente de pouco cultura e palavreado ralo, mas tinham alegria de viver. Precisavam de pouco para serem felizes. os três.
Três ou quatro - você deve estar se perguntando. Três - respondo. Reparou que são apenas três copos de suco de laranja? Pois é. Sempre há uma ovelha negra numa família.
O ser do copo d´água era diferente dos outros membros da família. Não só pelo fato de estar bebendo água. A água em si é, na verdade, um pequeno detalhe. Ele não precisava de pouco. Queria mais. Sempre mais. Preferiu o copo d´água porque laranjada com apenas uma laranja não lhe era suficiente. Isso mesmo. Três copos com apenas uma laranja. Muito aguado, eu sei, mas era o que eles podiam ter. Mas o ser não queria saber de nada disso. Para tomar suco de laranja, tinha que ser um de verdade. Com duas laranjas para um copo.
Também não rezava. Isso, os pais não tinham como saber. Afinal, orações são feitas em silêncio. E o ser ficava em silêncio, como mandava o figurino. Às vezes, a revolta o corroía. Outras vezes, pensava em alguma coisa indefinível.
Alimentava a revolta dentro de si. Sentia a raiva pulsar-lhe nas veias quando o pai ou qualquer outro alguém dizia que a vida era uma dádiva. Para os ricos talvez fosse, pensava.
Pobre indivíduo. Pobre de espírito. Ao reclamar para si do macarrão com molho ralo, esquece-se de que mora no campo, diante de tanto verde, do céu sempre azul nos dias de sol. Não lembra de ouvir o cantar dos passarinhos e das cigarras. Não lembra de jogar pedrinhas no rio.
E a felicidade, para ele é que nem suco de laranja aguado, se tenta-se pegá-lo com as mãos: escorre-lhe pelos dedos.

1 comentários:

Dayane Andrade disse...

Parabéns Juliana, cadê seus livros? ahaaahah precisa escrevê-los!

©2007 '' Por Elke di Barros