Outro dia mamãe me deu uma rosa branca. Ela era um botãozinho ainda. Vitória. Foi assim que a nomeei. Vitória, a rosa branca.
Minha bebê tem que crescer forte , assim como todas as crianças, pensei. Para as crianças, as mães dão legumes, verduras, leite, e claro, o tal do Biotônico Fontura que todo mundo tomava nos anos 90, não sei se ainda hoje é assim. Mas para a minha Vitória, eu deveria dar outra coisa. Bem mais simples. Água nova todo santo dia.
Lá fui eu, arrumei um copo de vidro, já que não sei onde fica enfiado o vaso solitário nesta casa. Um copo de cerveja serve para casos de emergência e improviso. Enchi-o até a metade com água, e lá coloquei Vitória.
A cada dia, fui preparando-a para a luta. O botão foi abrindo e eu ia aparando seu caule a cada manhã, para que ganhasse mais força, vitalidade e aguentasse por mais tempo a barra que viria a passar.
Vitória cresceu, amadureceu. Foi levada para o campo de batalha. Sua função era levar um pouco de alegria, de paz, sem se deixar envolver pelas balas e fumaças das trincheiras. Continuou recebendo os cuidados diários da troca da água e do caule aparado. Mas não achei que resistiria tanto tempo, sobretudo para uma rosa. Não é à toa que ela é Vitória.
Hoje faz dez dias que Vitória está comigo. Apresentou os primeiros sinais de velhice. Mas ainda não perdeu a vitalidade. Sim, Vitória ainda vive.
sexta-feira, 15 de junho de 2012
Botão Vitória
Escrito por Juliana Amado às 16:19 0 comentários
segunda-feira, 11 de junho de 2012
Um passado que passou e não passou
Há dez anos
eu desaprendi
a sorrir.
Desaprendi
a calma.
Desaprendi
a serenidade.
Desaprendi
as oito horas de sono diário.
Desaprendi
a aprender.
Desaprendi
a viver.
Aprendi
o medo.
Aprendi
a insatisfação constante.
Aprendi
o orgulho ferido.
Aprendi
o sono não dormido.
Passou.
Tudo passou.
A circunstância
não mais existe.
O que veio depois
foram aprendizados
e desaprendizados
inversos.
Mas e as sequelas?
Elas ficam como marca
de um passado
que passou e não passou.
E agora?
O que fazer com as sequelas
dez anos depois?
Eis a questão!
Escrito por Juliana Amado às 00:15 0 comentários
quinta-feira, 31 de maio de 2012
Buscando meus versos
Eu confesso.
Preciso perguntar.
Num diálogo comigo mesma.
Perguntar pra mim mesma
praonde foi a minha inspiração literária.
E praonde posso ir
procurá-la.
Pra pegá-la de volta.
Sim.
Porque ela ainda me pertence.
Não, meu filho,
não se anime
engana-se se pensa que pode roubá-la
de mim.
Ela é minha
unicamente minha.
Ainda que esteja perdida
em algum canto por aí.
Não está num lugar
que você possa pegar.
Sei que ela está
no meu cafofo.
Meu cafofo é meu corpo.
Aquele que abriga minhas almas
e nada mais.
Acontece que eu tenho várias almas.
E não sei
onde enfiei a literária.
Mas vou perguntar.
Pra mim.
Conversando comigo mesma.
E minha inspiração
há de voltar.
Opa.
Está voltando.
De onde estaria saindo estes versos?
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Escrito por Juliana Amado às 21:05 0 comentários
terça-feira, 15 de maio de 2012
Resumo de um mergulho na toca do coelho
Numa terra distante para ir de ônibus e perto para ir de avião, eu fui.
Vi o clima mudar. Vi as pessoas mudarem. Vi a cultura mudar. Vi os casacões saírem dos armários. Vi desencontros com expressões idiomáticas. Vi a alegria se fazer presente, a diversão reinar, as gargalhadas tomarem conta e o espírito infantil liberar-se.
O mundo fantástico descortinou-se diante do nosso pequeno grupo. Não éramos mais o nós que a maioria das pessoas conhece. Éramos agora um nós personagem. Um nós muito mais verdadeiramente nós.
Tínhamos entrado na toca do coelho. O exato momento eu não sei precisar. Acho que foi quando nos embarcaram no avião errado. Encontramos um país surrealista, mas nos sentimos em casa. Estivemos com seres aparentemente inexistentes e com uma vaca que transportava passageiros a preço de falsa elite – o vaxi.
Resolvemos visitar a cidade da Lagarta Azul, o lugar dos chocolates de verdade – sem gosto de indústria vagabunda – e para isso tínhamos que pegar um transporte coletivo com passageiros de olhos diferentes dos nossos.
Fomos visitar museus. E descobrimos que não há museus de verdade. Mas nos museus de mentirinha sentimos o prazer do olfato e do paladar – os perfumes e os chocolates. Ali sentimos a harmonia entre nosso lado adulto e o infantil. Éramos mulheres e crianças, crianças e mulheres.
O que me surpreendeu na cidade da Lagarta Azul foi o respeito. Deparamo-nos com seres educados. Ninguém passa por cima de ninguém. Parece algo inexistente, coisa do outro mundo. Opa. Estávamos em outro mundo. Me senti em casa que esqueci desse pequeno detalhe.
Saímos da cidade e fomos transportadas para um museu numa cidade grande. Disseram-nos que era um museu. O que antes despertou o olfato e o paladar, agora despertou o espírito brincalhão. Descobrimos que aprender pode ser divertido. E viramos de ponta-cabeça no girador humano. Pudemos ver o mundo ao contrário.
O lado ruim da toca do coelho é que contos de fada não são vitalícios. Uma hora a própria toca te expele para o mundo real. E você não acorda. Volta. Volta para de onde veio.
Escrito por Juliana Amado às 11:29 0 comentários
domingo, 1 de abril de 2012
Dúvida na chuva
Sair do trabalho num dia de chuva todo mundo faz. Entrar num ônibus com guarda chuva molhado, também. O que eu não sei se alguém já percebeu é que o Humaitá fica mais bonito.
Muito já falaram dos sóis de Ipanema e Copacabana. E da chuva do Humaitá vista de dentro do ônibus, quando você está indo para o Jardim Botânico? Se você já ouviu, me conta. Eu nunca ouvi. Não ouvi, mas vi. Vi e senti. O tal ar que não se respira, se vê. A tal música que não toca, se apresenta. O meu paraíso de construção artística.
Nunca tinha pensado nisso, mas gostaria de ter dois ateliês. Um em Ipanema pros dias de sol. Outro no Humaitá pros dias de chuva.
Quero descer do ônibus e comprar pão quentinho naquela padaria que está com o chão molhado. O tal chão quadriculado azul e branco, cujo branco já está amarronzado pelos sapatos molhados e sujos que se movimentam num constante entra e sai. Olhando de longe, tudo me parece um espetáculo de sapateado nos palcos do teatro Villa Lobos antes de ser lambido pelo fogo.
Minha mente começa a fazer um emaranhado com a cena do Humaitá em dia de chuva. Minha criatividade mistura as artes cênicas com as visuais. Não sei se escrevo um roteiro para um musical, se produzo videoarte, se pinto uma tela a la eu mesma, se faço uma foto (quisera eu estar com minha câmera aqui, mas celular sempre resolve em casos de emergência).
O sinal abriu. O ônibus andou. De repente, perdi a oportunidade. Quem mandou pensar muito?
Escrito por Juliana Amado às 22:20 4 comentários
segunda-feira, 6 de fevereiro de 2012
Acorde, fale, descubra!
Ela acordou. Descobriu que se tratava de um quadro. Harmonia em Vermelho, de Henri Matisse. E que a roupa era do início do século vinte.
Estivera sonhando.
Escrito por Juliana Amado às 15:06 0 comentários