sexta-feira, 15 de junho de 2012

Botão Vitória

Outro dia mamãe me deu uma rosa branca. Ela era um botãozinho ainda. Vitória. Foi assim que a nomeei. Vitória, a rosa branca.


Minha bebê tem que crescer forte , assim como todas as crianças, pensei. Para as crianças, as mães dão legumes, verduras, leite, e claro, o tal do Biotônico Fontura que todo mundo tomava nos anos 90, não sei se ainda hoje é assim. Mas para a minha Vitória, eu deveria dar outra coisa. Bem mais simples. Água nova todo santo dia.

Lá fui eu, arrumei um copo de vidro, já que não sei onde fica enfiado o vaso solitário nesta casa. Um copo de cerveja serve para casos de emergência e improviso. Enchi-o até a metade com água, e lá coloquei Vitória.

A cada dia, fui preparando-a para a luta. O botão foi abrindo e eu ia aparando seu caule a cada manhã, para que ganhasse mais força, vitalidade e aguentasse por mais tempo a barra que viria a passar.

Vitória cresceu, amadureceu. Foi levada para o campo de batalha. Sua função era levar um pouco de alegria, de paz, sem se deixar envolver pelas balas e fumaças das trincheiras. Continuou recebendo os cuidados diários da troca da água e do caule aparado. Mas não achei que resistiria tanto tempo, sobretudo para uma rosa. Não é à toa que ela é Vitória.

Hoje faz dez dias que Vitória está comigo. Apresentou os primeiros sinais de velhice. Mas ainda não perdeu a vitalidade. Sim, Vitória ainda vive.

segunda-feira, 11 de junho de 2012

Um passado que passou e não passou

Há dez anos
eu desaprendi
a sorrir.
Desaprendi
a calma.
Desaprendi
a serenidade.
Desaprendi
as oito horas de sono diário.
Desaprendi
a aprender.
Desaprendi
a viver.
Aprendi
o medo.
Aprendi
a insatisfação constante.
Aprendi
o orgulho ferido.
Aprendi
o sono não dormido.
Passou.
Tudo passou.
A circunstância
não mais existe.
O que veio depois
foram aprendizados
e desaprendizados
inversos.
Mas e as sequelas?
Elas ficam como marca
de um passado
que passou e não passou.
E agora?
O que fazer com as sequelas
dez anos depois?
Eis a questão!

quinta-feira, 31 de maio de 2012

Buscando meus versos

Eu confesso.
Preciso perguntar.
Num diálogo comigo mesma.
Perguntar pra mim mesma
praonde foi a minha inspiração literária.
E praonde posso ir
procurá-la.
Pra pegá-la de volta.
Sim.
Porque ela ainda me pertence.
Não, meu filho,
não se anime
engana-se se pensa que pode roubá-la
de mim.
Ela é minha
unicamente minha.
Ainda que esteja perdida
em algum canto por aí.
Não está num lugar
que você possa pegar.
Sei que ela está
no meu cafofo.
Meu cafofo é meu corpo.
Aquele que abriga minhas almas
e nada mais.
Acontece que eu tenho várias almas.
E não sei
onde enfiei a literária.
Mas vou perguntar.
Pra mim.
Conversando comigo mesma.
E minha inspiração
há de voltar.
Opa.
Está voltando.
De onde estaria saindo estes versos?

terça-feira, 15 de maio de 2012

Resumo de um mergulho na toca do coelho

Numa terra distante para ir de ônibus e perto para ir de avião, eu fui.
Vi o clima mudar. Vi as pessoas mudarem. Vi a cultura mudar. Vi os casacões saírem dos armários. Vi desencontros com expressões idiomáticas. Vi a alegria se fazer presente, a diversão reinar, as gargalhadas tomarem conta e o espírito infantil liberar-se.
O mundo fantástico descortinou-se diante do nosso pequeno grupo. Não éramos mais o nós que a maioria das pessoas conhece. Éramos agora um nós personagem. Um nós muito mais verdadeiramente nós.
Tínhamos entrado na toca do coelho. O exato momento eu não sei precisar. Acho que foi quando nos embarcaram no avião errado. Encontramos um país surrealista, mas nos sentimos em casa. Estivemos com seres aparentemente inexistentes e com uma vaca que transportava passageiros a preço de falsa elite – o vaxi.
Resolvemos visitar a cidade da Lagarta Azul, o lugar dos chocolates de verdade – sem gosto de indústria vagabunda – e para isso tínhamos que pegar um transporte coletivo com passageiros de olhos diferentes dos nossos.
Fomos visitar museus. E descobrimos que não há museus de verdade. Mas nos museus de mentirinha sentimos o prazer do olfato e do paladar – os perfumes e os chocolates. Ali sentimos a harmonia entre nosso lado adulto e o infantil. Éramos mulheres e crianças, crianças e mulheres.
O que me surpreendeu na cidade da Lagarta Azul foi o respeito. Deparamo-nos com seres educados. Ninguém passa por cima de ninguém. Parece algo inexistente, coisa do outro mundo. Opa. Estávamos em outro mundo. Me senti em casa que esqueci desse pequeno detalhe.
Saímos da cidade e fomos transportadas para um museu numa cidade grande. Disseram-nos que era um museu. O que antes despertou o olfato e o paladar, agora despertou o espírito brincalhão. Descobrimos que aprender pode ser divertido. E viramos de ponta-cabeça no girador humano. Pudemos ver o mundo ao contrário.
O lado ruim da toca do coelho é que contos de fada não são vitalícios. Uma hora a própria toca te expele para o mundo real. E você não acorda. Volta. Volta para de onde veio.

domingo, 1 de abril de 2012

Dúvida na chuva

Sair do trabalho num dia de chuva todo mundo faz. Entrar num ônibus com guarda chuva molhado, também. O que eu não sei se alguém já percebeu é que o Humaitá fica mais bonito.
Muito já falaram dos sóis de Ipanema e Copacabana. E da chuva do Humaitá vista de dentro do ônibus, quando você está indo para o Jardim Botânico? Se você já ouviu, me conta. Eu  nunca ouvi. Não ouvi, mas vi. Vi e senti. O tal ar que não se respira, se vê. A tal música que não toca, se apresenta. O meu paraíso de construção artística.
Nunca tinha pensado nisso, mas gostaria de ter dois ateliês. Um em Ipanema pros dias de sol. Outro no Humaitá pros dias de chuva.
Quero descer do ônibus e comprar pão quentinho naquela padaria que está com o chão molhado. O tal chão quadriculado azul e branco, cujo branco já está amarronzado pelos sapatos molhados e sujos que se movimentam num constante entra e sai. Olhando de longe, tudo me parece um espetáculo de sapateado nos palcos do teatro Villa Lobos antes de ser lambido pelo fogo.
Minha mente começa a fazer um emaranhado com a cena do Humaitá em dia de chuva. Minha criatividade mistura as artes cênicas com as visuais. Não sei se escrevo um roteiro para um musical, se produzo videoarte, se pinto uma tela a la eu mesma, se faço uma foto (quisera eu estar com minha câmera aqui, mas celular sempre resolve em casos de emergência).
O sinal abriu. O ônibus andou. De repente, perdi a oportunidade. Quem mandou pensar muito?

segunda-feira, 6 de fevereiro de 2012

Acorde, fale, descubra!

No mundo de Matisse, ela estava. Sim, ela via as coisas meio.... meio o quê mesmo? Meio diferentes. As imagens não pareciam fazer muito sentido. Mesa e paredes vermelhas. Era com certa dificuldade que percebia onde começava e onde terminava a mesa de jantar. Seria de jantar mesmo? Até isso ela teria dificuldade de responder, se você perguntasse. Mas ninguém perguntou, eu acho. Nem dentro, nem fora do cenário. Cenário? Aquilo era mesmo um cenário? Ela não sabia mais se era ela mesma ou uma personagem. Aqui e agora, certeza é uma palavra inexistente. Dúvida, essa sim, ocupa todas as páginas do dicionário. Assim como pergunta, interrogação e todos os similares.
Como prosseguir, sem medo de pisar, num ambiente desse? Ela não estava acostumada com o irreal que não chegava a ser exatamente uma representação do real, tampouco uma abstração. Ela se perguntava por que não caíra num mundo abstrato. Às vezes podia ser tão mais fácil lidar com linhas, formas, curvas, pingos, ou o que quer que fosse. Mas transição? Alguém aí consegue andar em cima de um muro ou de um meio fio? Uma ginasta talvez conseguisse. Mas ela não era uma ginasta. E como tal, seu equilíbrio não era lá grandes coisas.
Ela então se lembrou do romance Pollyanna. Resolveu fazer o jogo do contente, antes que a angústia a dominasse. Ficou contente de ter uma boa visão. O fato da mesa e das paredes terem a mesma cor confundia, mas os detalhes de ambas as superfícies ajudavam na hora de diferenciá-las. Pensou que fosse míope e estivesse sem óculos, poderia estar em apuros. E se fosse daltônica, também. É, ela ficou contente. E com o “contentismo”, ganhou autoconfiança. E com a autoconfiança, foi em frente. Explorou o cenário (eu sei que pode não ser exatamente um cenário, mas às vezes é necessário nomear as coisas, ainda que de forma errônea). Chegou perto de uma mulher. Esqueci de contar antes. Havia uma mulher ali. Não sei quem ela era. Não importa. O que faz diferença é que havia uma mulher no cenário a ser explorado. A dita cuja vestia uma indumentária nada comum nos dias atuais. Dos fins do século dezenove. Ou início do vinte. Não sei precisar, mas é o suficiente para te situar. Ela tentou conversar, mas a mulher não lhe deu muita confiança. E assim, ela saiu do ambiente sem saber como. O cenário evaporou-se.
Ela acordou. Descobriu que se tratava de um quadro. Harmonia em Vermelho, de Henri Matisse. E que a roupa era do início do século vinte.

Estivera sonhando.

©2007 '' Por Elke di Barros