quarta-feira, 29 de julho de 2009

O Saber

A porta estava aberta quando eu cheguei naquela casa. Mesmo assim, bati palmas - ali não havia campainha. Ninguém respondeu. Bati palmas mais uma vez. Nada. Usei a voz:
- Ó de casa.
Nada.
- Ó de casa.
Nada de novo.
- Ó de casa.
Nenhuma resposta.
Resolvi entrar.
O interior exalava um odor fétido, oriundo da alta umidade, supus. A aparência era de um lugar abandonado, cheio de poeira e teias de aranha, mas havia um senhor sentado numa cadeira de balanço com o encosto de palhas soltando. Ele usava um chapéu, também de palha, e fumava um cachimbo. Ou seria um charuto? A semi-escuridão do ambiente não me permitia ter certeza. Concluí que devia ser um cachimbo, a meu ver, combinava mais com o aspecto do homem.
- Com licença, senhor...
- A porta está aberta. Isso significa que a casa está de portas abertas, não? - interrompeu-me; fiquei até encabulada.
- S...sim. Mas creio que seja mais educado bater à porta.
- Às favas com a educação!
Que senhorzinho estranho, pensei. Ele se calava do nada, falava coisas inusitadas, mas também não perdia tempo.
- Senhorita, se veio até aqui, suponho que tenha algo a dizer ou fazer, Tem um banco à sua frente. Pode se sentar.
Pela tênue claridade da vela, pude ver que o banco estava empoeirado. Mas recusar-me a sentar seria uma ofensa ao senhor e eu não poderia seguir o "conselho" dele de ignorar a educação. Não devia era ter vindo de calça branca. Mas era tarde demais para pensar no que devia ou não. Eu estava de calça branca e tinha que sentar num banco imundo, isso era um fato. Puxei o banco e sentei-me.
Sentada, pude observar melhor o rosto daquele senhor. Ele tinha uma expressão fisionômica bastante fechada e ao mesmo tempo, serena. Constatei que ele fumava era um cachimbo.
- E então? O que a trouxe aqui.
Olhei fundo nos olhos daquele senhor. Foi então que percebi que tinha apenas uma resposta a dar.
- Não sei.

sexta-feira, 24 de julho de 2009

Olhar

As árvores pela janela
eu olho.
Vejo, olho,
as duas coisas.
Ver
Olhar
Sentir
Captar
Processar
Processar o olhar,
a imagem.
O mar no horizonte
eu olho
Sinto
Capto
Vivo.
O céu alaranjado ao topo
eu olho
Capto
Vejo e olho
As duas coisas.
A vida a mim vem
na imensidão
e nas pequenas coisas.

terça-feira, 14 de julho de 2009

Rasgados

Rasgado.
Rasgados, no plural.
Muitos rasgados. E tão próximos.
Meu lençol está assim.
Em péssimas condições.
Há condições de remendá-lo? – pergunto eu.
Difícil, difícil.
Mas não há como jogá-lo fora.
É um órgão vital meu.
Será possível arrancá-lo do fundo?
Afastá-lo da escuridão do lençol freático
E trazê-lo à luz da superfície?
Deve haver um jeito, um caminho, uma mágica.
Sim. Há.
O tempo.

domingo, 5 de julho de 2009

Reflexão de um estranho

Eu nasci num lugar estranho, num tempo estranho. Isso é o que dizem, os convencionais.
E eu me pergunto se existem mesmo lugares estranhos. Não estou tão certo se o termo estranho deveria existir. O que é estranho? Será que o estranho é estranho mesmo ou é apenas diferente?
Será que sou um estranho? Ou apenas nasci num lugar diferente e tenho um comportamento atípico?
Não, eu não sou um estranho! Apenas não sou igual a todo mundo. Eu sou eu. Sou único, uma individualidade. Todas as pessoas são uma produção industrial em série. Em alguns casos talvez, uma produção artesanal. Eu não. Sou obra de um artista! E obra de artista é obra única; sou daquelas datadas e assinadas. Assinada pela minha mãe.
Quer ver alguém chamar a obra de um artista plástico de estranha. Não chamam. E a obra é sempre única.
Assim como as obras de arte, eu devia ser admirado, não? Admirado por ter a minha individualidade, e ser o único no mercado, irreproduzível.
Quando eu vivia na comunidade em que nasci, ninguém me chamava de estranho. Eles aceitavam o diferente, o atípico. Eles também eram diferentes. Mas diferentes sem serem iguais entre si. Eles também eram obras de arte. Obras de um tempo estranho de pessoas estranhas como falam.
Vivíamos numa barraca e éramos felizes.
Cantávamos e dançávamos ao redor da fogueira e éramos felizes.
Jogávamos pedrinhas no rio e éramos felizes.
Andávamos coloridos e éramos felizes.
Nós éramos felizes!
E porque sou um estranho? Aprendi a ser feliz. Ser feliz é ser estranho? Não!
Eu não sou estranho! Sou apenas uma obra de arte datada e assinada.

terça-feira, 30 de junho de 2009

Portas e Caminhos




A vida é que nem o mundo. Cheia de caminhos. Sejam as estradas de terra ou asfalto, as trilhas, o curso do rio, a rota marítima ou aérea. É tudo um caminho.
Caminho é aquilo que desemboca em algum lugar. Aquilo que tem um(a) final(idade). A maioria é opcional. O percurso pode ser curto ou longo. Liso ou espinhento. Com ou sem pedras. Podem dar nos mesmos lugares ou não.
Algumas portas se abrem em determinado momento. Ao mesmo tempo.
E agora, José?
José não pode fazer nada. Cabe a cada um escolher uma das portas e trilhar o caminho.
Mas como escolhê-la?
Usar o coração, os sonhos, os desejos. Mas o caminho que o coração escolhe às vezes é o mais difícil, o que tem mais pedras no caminho. Às vezes tem até muros!
Muitas vezes, escolhe-se o caminho mais fácil. A alegria pode ser imediata. Mas a glória não triunfará. E a vitória não virá!
Sigamos nossos sonhos. Podemos ser tão grandes e tão altos quanto eles.

quinta-feira, 18 de junho de 2009

O observar

O vidro à sua frente está molhado. O ao lado também. Está chovendo forte e o trânsito está parado.
Enquanto o carro anda em ritmo tartaruga, ele reflete sobre o dia que se passou.
Tem um cigarro acesso, ora nos lábios, ora entre os dedos. O vício do tabaco é um hábito nocivo que o acompanha há algum tempo. desde que começou a se procupar demais e a não deixar a vida fluir. A fumaça lhe é envolvente, mas também deixa seus dentes amarelos e sia boca com um hálito fétido.
Bate a mão de leve no volante, num visível sinal de impaciência e ansiedade. Quer chegar em casa o quanto antes, tomar um copo de conhaque para afugentar os pensamentos que o dominam. Como se o álcool fosse resolver seus problemas. Não resolve. Mas ele acha mais fácil mergulhar num mundo de ilusões.
Ele não chega em casa nunca. Mora num bairro nobre, mas afastado do centro e o trânsito continua parado. A impaciência cresce a cada instante. Tem vontade de sair do carro e berrar todos os palavrões que lhe vêem à mente, mas não o faz.
A chuva aumenta e os pingos grossos batem no seu carro com mais violência.
Desanimado, olha para o lado e começa a observar as pessoas dos veículos vizinhos, como uma forma de passar o tempo. Descobre que a maioria parece indiferente ao trânsito. Uns berram ao celular na tentativa de abafar o som da chuva, outros olham o mundo de carros à sua frente, outros ainda, em carros populosos conversam entre si e dão gargalhadas, talvez estejam contando piadas ou simplesmente lembrando fatos engraçados. Se dá conta de que talvez seja o único verdadeiramente melancólico naquele quilômetro quadrado.
Liga o rádio num canal de música. Está tocando funk, estilo que não lhe agrada. Muda para um canal de notícias. Ouve uma voz de jornalista. E então entende o porque do trânsito estar parado.
percebe que ainda vai demorar muito para chegar em casa. O infeliz continua ali, a tragar o cigarro, a bater no volante e a observar as pessoas. E nem se dá conta do barulho da chuva.

quinta-feira, 11 de junho de 2009

Festa?

Quando a luz acaba,
acaba-se o mundo,
acaba-se o interior,
acaba-se o preenchimento.
Chega a escuridão,
chega o vácuo,
chega o exterior ou o nada,
chega o vazio.
O sorriso se apaga.
O brilho se apaga.
A vivacidez se apaga.
A sombriedade se acende.
O apaco se acende.
A mortalidade se acende.
Tudo isso é a festa da dor.

©2007 '' Por Elke di Barros